A luta pelos editais na cultura
- Pedro Silva
- 1 de jun.
- 4 min de leitura
Não existe política pública no Brasil se ela não considerar as imensas desigualdades do nosso país. Nos últimos anos com a Lei Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc, vimos uma disparada no número de projetos inscritos nos diversos editais, com recordes que chegaram a quase 20 mil inscritos em Estados como São Paulo e Minas Gerais.

Eu não acredito nisso. Acredito que finalmente as principais políticas públicas para a cultura se popularizam entre trabalhadores que antes não acreditavam nesse modelo e, por consequência, não concorriam por acharem que não iriam ser contemplados.
Em São Paulo, meu Estado de origem, por décadas os movimentos culturais que lutaram por essas políticas e as conquistaram lá atrás, também monopolizaram o acesso a elas. Numa suposta defesa contra um inimigo oculto, foram criados oligopólios, elites culturais, que dominaram a técnica da escrita de projetos e as indicações de quem escolhe os projetos selecionados - por muitos anos o mesmo CNPJ que indicava, era o CNPJ que ganhava todos os prêmios.
Agora, os 100 milhões de reais investidos nos editais estaduais de SP, se tornaram 350 milhões com a PNAB, e com um governo neoliberal no poder, o número de contemplados impressionantemente segue o mesmo. Aí uma cúpula da elite cultural sudestina resolveu manipular o debate nacional do setor, espalhando a falácia de que o modelo de editais está falido, sem apresentar outras alternativas (não há). Em paralelo, uma parte considerável dessa mesma turma fala baixinho nos bastidores que a culpa disso é o número alto de contemplados por ações afirmativas (as popularmente conhecidas cotas), que chegam a pelo menos 45% de projetos liderados por pessoas negras, indígenas e com deficiência.
Como diria Foucault, para lutar contra o fascismo precisamos abandonar qualquer loucura que acredite que precisamos unificar a nossa luta em uma pauta única. Esse sonho coletivo da esquerda cirandeira não passa de ilusão ególatra e desconectada com as bases, com as periferias, com as pautas de gênero e raça e, em uma instância, com a luta de classes.
As elites culturais perderam espaço.
Aquilo que eles chamam de “marinheiros de primeira viagem” que ganharam seus primeiros editais nesta década, em sua maioria são artistas que tem 5, 10, 20 anos de estrada sem nunca ter acessado recurso público. Isso falando de Sudeste. Nas demais regiões e nos interiores, as políticas públicas pra cultura em sua maioria estão começando a chegar só nesta década, através dos editais. Agora que alcançamos este espaço, querem nos tirar de lá, o movimento comum descrito por Marx quando os trabalhadores alcançam espaço no debate público.
É verdade que os editais precisam de melhorias, principalmente precisam ser repensados como modelos de fomento e sustentabilidade, na contramão desse modelo de projetos de 1 ano que no outro ano nos põe na insegurança financeira de novo. Mas isso não é acabar com a única política pública possível neste momento.
Principalmente porque para atacar o modelo, ataca-se outros trabalhadores da Cultura, entre eles os pareceristas, que em grande maioria são profissionais que trabalham com prazos impossíveis impostos pelos gestores, lendo centenas de projetos madrugada à dentro, finais de semana e feriados, recebendo pouco e muitas vezes sendo o primeiro a trabalhar e o último a receber. De verdade que a solução é atacar nossos companheiros?
Em paralelo, estimulam que a luta por garantir as ações afirmativas não é relevante para os debates de políticas públicas e não dão suporte aos movimentos que tem brigado constantemente pela presença de corpos pretos, indígenas, trans e com deficiência nas Artes. Dessa forma, colaboram com o fascismo eterno descrito por Umberto Eco, que tem no embate dos corpos sua guerra permanente. A branquitude normativa cisgênera bípede e neurotípica nem no setor da cultura aprendeu a compartilhar o espaço com nossos corpos?
Eu sei que ao ler esse texto, parte dessa elite (que ou não me conhece, ou me conhece pouco, pq sempre me recusei a participar desses movimentos) só verá dois modos pra me definir: ou eu sou de direita por discordar ou eu sou ressentido em não fazer parte. A resposta é: Nem um, nem outro.
Até porque na cidade de São Paulo existem já duas referências desses dois modos: Há um grupo de “artistas” que se aliou à extrema-direita e hoje disputa o controle dos editais e das comissões de seleção com as elites da esquerda. Há também quem não quis fazer parte, que não acho que estejam ressentidos, que tem entre eles uma das grandes referências do teatro nacional, o Teatro Oficina, que nos primeiros 20 anos da Lei de Fomento ao Teatro, por exemplo, ganhou apenas no 1º ano e só, pois não quis se aliar ao conchavo, enquanto outros grupos teatrais chegaram ao recorde de serem contemplados de 10 a 12 vezes, cada um.
Eu prefiro propor outra via, em que não devamos ter uma pauta única e radicalizemos à esquerda. Pois também acredito que não devíamos lutar contra a luta dos nossos companheiros de trincheiras. Ainda assim, penso que há uma saída que poderia e deveria nos colocar em conjunção, lado-a-lado, e ocupar o centro do que devíamos estar proliferando: É URGENTE GARANTIR MAIS RECURSOS PARA A CULTURA E DISTRIBUIÇÃO EQUÂNIME AO SETOR.
Hoje temos estudos e pesquisas científicas que demonstram que colaboramos com 3,4% da produção de riqueza do Brasil, enquanto o Ministério da Cultura tem um orçamento pífio que representa 0,084% do orçamento federal em 2025, já considerando a PNAB.
Meu chamado é pra radicalizarmos nossa luta frente às políticas neoliberais e o fascismo que está entranhado na política nacional, minando o investimento público e mantendo o MinC refém dos gestores.
A CLASSE de Trabalhadores da Cultura quer MAIS EDITAIS, MAIS RECURSOS E MAIS COTAS, para garantir o avanço do setor e correção das desigualdades históricas do nosso país.
Vamos à Luta!
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